Algumas construtoras estão corrigindo seus contratos como se fossem bancos, o que é ilegal.
Quando realizamos a compra de um imóvel, normalmente não temos o dinheiro para pagá-lo à vista, ocasião em que celebramos com um banco um contrato de financiamento habitacional, obedecendo a uma série de regras previstas em lei, como por exemplo, o seguro habitacional obrigatório, que protege não só o consumidor no caso de invalidez permanente, bem como o banco que emprestou o dinheiro e até mesmo o imóvel, uma vez que este seguro pode ser acionado no caso de desabamento, incêndio, vendaval, etc.
Todas essas regras são válidas para aqueles contratos realizados pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH), que são inerentes às instituições financeiras regulamentadas para oferecerem créditos imobiliários à população, onde os índices de atualização e correção monetária possuem um regramento próprio, inerentes às instituições financeiras.
Ocorre que há algumas construtoras e loteadoras de terrenos – que NÃO são integrantes do Sistema Financeiro da Habitação – aplicando reajustes ilegais, uma vez que não faz parte de seu contrato social a oferta de crédito, logo, muito embora eles possam aplicar uma correção monetária baseada em índices determinados (normalmente IGP-M e INCC), a aplicação de juros remuneratórios tem sido considerada muitas vezes como ilegal pelo judiciário.
Se a função de uma construtora é a de construir imóveis, ela deve ser remunerada por isso, e não por oferecer “crédito” para o consumidor final, que poderia valer-se de um financiamento habitacional comum para isso.
PREJUÍZOS EM FINANCIAR O IMÓVEL COM A CONSTRUTORA / LOTEADORA
Num financiamento comum realizado por um banco, o consumidor tem a garantia de que as parcelas de seu financiamento não sofrerão reajustes, uma vez que todos os juros e correção monetária já estão previamente estabelecidos em contrato, de modo que este contrato traz muito mais previsibilidade financeira ao consumidor, que sabe ao certo o quanto irá pagar, sem correr o risco de ter surpresas desagradáveis ao longo do contrato, como o reajuste das parcelas acima da inflação.
A grande maioria dos contratos de financiamentos imobiliários realizados pelos bancos utilizam-se da “tabela price”, que envolve prestações fixas e juros decrescentes a cada período, o que faz com que o valor das parcelas sofra um pequeno decréscimo a cada mês.
Já no “financiamento” realizado por construtoras e loteadoras, que na verdade nada mais é do que uma compra a prazo, cada parcela normalmente é reajustada pelo IGP-M + juros de 1% ao mês, o que pode representar um reajuste de mais de 100% ao longo de um curto período (em média, de 5 anos).
Portanto, a cada mês, sobre o saldo devedor são aplicados reajustes e correções monetárias que mais do que dobrarão o preço do imóvel. Aqui em Campo Grande há apartamentos, por exemplo, que na planta custavam cerca de R$ 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil reais) e que hoje a soma de todas as parcelas com os reajustes e correções já ultrapassam R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais).
Tudo isso num período muito curto para aquisição de um imóvel. Então, além de não conseguir parcelar o imóvel ao longo de 20, 30 anos, como ocorre num financiamento habitacional comum, o consumidor irá ver o valor de suas parcelas mais do que dobrar neste período.
DA PERDA DO IMÓVEL EM CASO DE INADIMPLEMENTO
Além de todo prejuízo relatado acima, em caso de inadimplemento essas construtoras e loteadoras se valem de outra prerrogativa inerente às instituições financeiras integrantes do SFH, que é o da consolidação do imóvel.
O procedimento de consolidação do imóvel é quando a instituição financeira que concedeu o crédito ao consumidor pode, em caso de inadimplemento das parcelas, retomar a propriedade do imóvel para seu nome, para que depois possa realizar o leilão deste imóvel, ou até mesmo a venda direta dele, tudo isso sem a necessidade de uma ação judicial, o que reduz drasticamente o tempo em que o consumidor poderá perder seu imóvel.
Na consolidação, a instituição financeira notifica o consumidor – via cartório – de sua inadimplência, concedendo um prazo de 15 dias para pagamento do saldo devedor, e, em caso de inércia, a construtora ou loteadora retoma a propriedade do imóvel, retirando o consumidor da matrícula do imóvel e realizando sua venda para terceiros.
Diversos consumidores, inclusive aqui em Mato Grosso do Sul estão perdendo seus imóveis sem lutar pelos seus direitos, muitas vezes até mesmo por vergonha de não ter tido condições de continuar pagando as parcelas que sofreram reajustes abusivos.
Então, sempre que souber de alguém que está na iminência de perder seu imóvel por causa de reajustes abusivos, peça para ele deixar a vergonha de lado e buscar o apoio especializado de um profissional advogado, de preferência especializado em direito do consumidor.
Leandro Amaral Provenzano é advogado especialista em Direito Agrário, Tributário, Imobiliário e Direito do Consumidor. Membro das Comissões de Direito Agrário e Direito do Consumidor da OAB/MS. E-mail para sugestões de temas: leandro@provenzano.adv.br