E agora, será que conseguirei receber?
Semana passada falamos sobre o comunicado oficial da empresa 123 milhas, que deixaria de honrar com os contratos cujas viagens ocorreriam entre os meses de setembro a dezembro deste ano (2023). Num parágrafo específico destaquei: “Será que a empresa terá condições de arcar com esta enxurrada de ações judiciais sem entrar em recuperação judicial?”. Pois é, não deu.
Nesta terça-feira, menos de 12 horas antes de eu escrever este artigo, a empresa 123 milhas entrou com um pedido de recuperação judicial perante o Poder Judiciário do estado de Minas Gerais.
No processo de recuperação judicial a empresa alega que por causa de fatores externos não vem conseguindo honrar com os compromissos já assumidos com seus clientes, bem como fornecedores.
Alta no preço dos combustíveis, dificuldade no comércio de compra e venda de milhas, não retomada das viagens aos mesmos níveis pré pandemia (não é o que percebemos nos aeroportos) e até mesmo o fim de um benefício que tinha junto à empresa de transporte aéreo Azul para compra de passagens com milhas foram usados para justificar a atual incapacidade financeira da empresa.
No entanto, esta mesma empresa “acredita que a crise é passageira, ocasionada por um momento atípico de conjunção de fatores perniciosos”, conforme trecho do próprio processo de recuperação judicial.
O fato é que até mês passado a 123 milhas vinha investindo pesado em marketing. Já contratou apresentador global, músicos famosos e lotou os aeroportos brasileiros com propagandas, inclusive no período da pandemia, no entanto, parece que seu modelo de negócio falhou gravemente ao oferecer serviços que sabidamente não daria conta de honrar.
É flagrante a irresponsabilidade da empresa ao presumir certa estabilidade num mercado que oscila constantemente com a alta no preço dos combustíveis, variação cambial, reajuste do preço das passagens e até mesmo greve dos trabalhadores as empresas de transporte aéreo.
Como crer em estabilidade em um mercado onde empresas gigantescas já quebraram? Todos lembramos ainda da Vasp, Varig, Transbrasil etc.
O processo de recuperação judicial é uma tentativa de salvar a empresa da falência, e evitar um efeito cascata de consequências negativas como desemprego de seus colaboradores e calote em milhares de parceiros comerciais.
Para se ter uma ideia do tamanho dos prejuízos causados pela empresa, várias pessoas comuns que já venderam suas milhas à 123 milhas certamente ficarão sem receber, milhões de consumidores que já adquiriram passagens aéreas, hospedagem e até veículos de aluguel não conseguirão usufruir dos serviços já contratados e pagos.
Já esperando que o pedido de recuperação judicial fosse ser requerido, consultei o quadro societário da empresa 123 milhas, bem como de outras que atuam no mesmo ramo que possuem sócios em comum. Para minha surpresa, apesar das milhares de transações comerciais realizadas diariamente pela empresa, seu capital social é de apenas um milhão de reais.
Para se ter ideia do quão ínfimo é este valor, perto da relevância da empresa no mercado em que a empresa atua, o valor de sua recuperação judicial é de R$ 2.308.724.726,25 (dois BILHÕES e trezentos e oito milhões e setecentos e vinte e quatro mil e setecentos e vinte e seis reais e vinte e cinco centavos).
Pelas dificuldades alegadas da empresa, comparado ao seu débito confessado no pedido de recuperação judicial será muito difícil com que ela consiga se recuperar, até mesmo porque ela era a líder deste mercado de comércio de milhas, onde a segunda colocada também possui sócios em comum, então certamente teremos mais uma empresa ligada ao comércio de transporte aéreo encerrando suas atividades, deixando milhares de credores sem receber o que é seu de direito.
Certamente em breve os credores receberão em suas casas uma cartinha para se habilitarem na recuperação judicial da empresa, um processo gigantesco, complexo e muito demorado, que no melhor dos casos os credores receberão valores menores que seus créditos originais, enquanto os proprietários das empresas, que certamente aumentaram seus patrimônios com os lucros dessas mesmas empresas, não responderão por essas dívidas com seus bens pessoais.
Por isso que diversos advogados já estão focando seus esforços na busca e controle dos patrimônios pessoais dos proprietários dessas empresas, para que a maior quantidade de credores possa receber ao menos parte do que têm direito.
Leandro Amaral Provenzano é advogado especialista em Direito Agrário, Tributário, Imobiliário e Direito do Consumidor. Membro das Comissões de Direito Agrário e Direito do Consumidor da OAB/MS. E-mail para sugestões de temas: leandro@provenzano.adv.br