Quando é direito do produtor exigir o alongamento da dívida.
Costumamos dizer que o produtor rural possui uma empresa à céu aberto, uma vez que está sempre muito exposto às intempéries climáticas, bem como outros problemas que podem afetar sua atividade, de modo que, por vezes, não consegue sequer arcar com as despesas inerentes aos seus custos produtivos, quando algum evento imprevisto afeta sua produção.
Para proteger o produtor rural, existe no Manual de Crédito Rural, que em seu tópico 2.4.6 um dispositivo aliado ao produtor, determinando que fica a instituição financeira autorizada a prorrogar a dívida, com os mesmos encargos financeiros pactuados no instrumento de crédito, desde que o mutuário comprove a dificuldade temporária para reembolso do crédito em razão de algumas situações específicas previstas no próprio manual, e, ao mesmo tempo, comprovando a capacidade de pagamento futura.
Essas situações estão discriminadas no Manual de Crédito Rural, e são elas:
- Dificuldade de comercialização dos produtos, como por exemplo, greve, bloqueio em rodovias, apagão logístico, lockdown etc.;
- Frustração de safras, por fatores adversos, como estiagem, excesso de chuvas, pragas, granizo, geada, variações térmicas e ventos excessivos.
- Eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações, como por exemplo a baixa do preço do produto, que fará com que a renda obtida não dê para pagar integralmente os custos da produção.
Para fazer jus ao alongamento da dívida, o produtor deve informar ao banco credor, antes do vencimento do débito, sua impossibilidade de pagamento, bem como elaborar um plano de pagamento futuro, comprovando além da sua incapacidade de pagamento momentânea, a possibilidade de pagamento futuro, com a prorrogação da dívida rural, o que será analisado pela instituição financeira credora.
Inobstante a recente alteração do Manual de Crédito Rural, que ao invés de impor um dever às instituições financeiras, trocou a semântica por “autorização” de prorrogar a dívida, o STJ já afirmou por meio da súmula 289 que:
“O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei.”
Tal proteção também é prevista por meio do artigo 4º da lei nº 7.843/89, portanto, não será a recente alteração no Manual de Crédito Rural capaz de alterar os rumos das decisões judiciais já amplamente consolidadas pelos nossos Tribunais.
Esta interpretação deve ser mantida, pois, caso contrário, não só o produtor rural será prejudicado, mas também a instituição financeira credora, bem como a população da região, uma vez que sem crédito para continuar produzindo, a produção será parada, gerando menos quantidade de alimentos ou matérias-primas produzidas pelo produtor rural, acarretando num aumento de preços para a população daquela região.
É preciso lembrar, que este “benefício” não é exclusivo do produtor rural, pois medidas semelhantes também são previstas em lei para as empresas, no caso da “Recuperação Judicial”, bem como para os consumidores superendividados, com a recente alteração do Código de Defesa do Consumidor, que prevê a postergação da dívida, mediante redução do valor das parcelas, contido num plano de pagamento realizado entre credores e devedor, dando um verdadeiro alívio e possibilitando ao consumidor restabelecer sua saúde financeira, o que também é bom para todos, inclusive para os credores.
Caso o banco credor se recuse a realizar o prolongamento do pagamento do crédito rural, o produtor poderá exigir isso na justiça, mas para isso ele deve ter cumprido os requisitos mencionados, como a notificação prévia, comprovação de impossibilidade de pagamento temporária e capacidade de pagamento futuro, comprovando sua boa-fé com o credor.
Leandro Amaral Provenzano é advogado especialista em Direito Agrário, Tributário, Imobiliário e Direito do Consumidor. Membro das Comissões de Direito Agrário e Direito do Consumidor da OAB/MS. E-mail para sugestões de temas: leandro@provenzano.adv.br