Há diversas tentativas em andamento por parte do Pode Público de obrigar com que os consumidores entrem com uma reclamação no portal “consumidor.gov.br” antes de ajuizar uma ação judicial. Veja como isso pode representar o início do fim do direito do consumidor no Brasil.
Não é de hoje que o Poder Público não só idealiza, mas toma atitudes no sentido de tentar reduzir o número de ações em trâmite no Poder Judiciário.
A obrigatoriedade da realização de audiência de conciliação é uma delas, introduzida no direito brasileiro com o advento do código de processo civil de 2015 praticamente obriga com que todas as partes do processo participem de uma audiência de conciliação, ainda que não haja a menor possibilidade de acordo naquele processo, o que representa não só uma perda de tempo para as partes envolvidas, mas também de dinheiro público, haja vista que servidores do judiciário são os mediadores das referidas audiências.
O assunto do momento que está em discussão é se o consumidor deve ou não ser obrigado a formalizar uma reclamação no portal consumidor.gov.br para entrar com uma ação judicial de direito do consumidor. Criar este requisito a mais, embora não possua benefício algum para uma harmonia na relação de consumo no país, é a tendência do momento numa tentativa desesperada de se reduzir a quantidade de processos sobre o tema no Poder Judiciário.
Tal medida além de polêmica, vai totalmente contra uma relação de consumo mais saudável no país, pois as empresas já possuem diversos canais de comunicação com o cliente (SAC), e outros meios virtuais de tentativa de resolução de problemas, ouvidorias especializadas, e quando tudo dá errado, ainda podem resolver a questão no Procon – que muitas vezes acaba sendo utilizado como mais um SAC da empresa, porém com dinheiro público – , ou ainda realizando um acordo num juizado especial (conhecido popularmente como juizado de pequenas causas).
É evidente que as empresas têm várias oportunidades de resolver os problemas dos seus consumidores antes de uma ação judicial, no entanto, não o fazem por um motivo muito simples. Não compensa!
Não são raras as decisões judiciais onde ao final do processo, após anos de trâmite processual, energia e dinheiro gastos na ação, a condenação obriga com que a empresa que efetuou a má prestação de serviços simplesmente faça aquilo que já deveria ter feito há anos, na época em que o consumidor ajuizou a ação. Isso compensa muito financeiramente para empresa, que realiza uma obrigação que já deveria ter sido feita há anos, sem qualquer outro tipo de punição por sua atitude lesiva.
É muito mais barato para essas empresas pagar essa condenação anos após a má prestação do serviço, do que investir em capacitação de pessoal ou de procedimentos internos, de modo a evitar os problemas do cotidiano do consumidor brasileiro. Em outros países, onde as punições não são tão brandas e a população exerce mais os seus direitos, a qualidade dos serviços prestados é muito maior. O melhor exemplo disso são as empresas de telefonia móvel multinacionais. Há empresas que atuam no Brasil e no exterior, onde a qualidade do serviço prestado lá fora é infinitamente melhor do que os serviços prestados aqui no país. Parte disso é porque lá fora as punições contra essas empresas não são tão brandas como no Brasil.
Para reduzir o número de ações em trâmite no Judiciário, este tem que aplicar penalidades mais fortes, que realmente desestimulem as empresas a praticar atos lesivos ao consumidor, pois do modo que está, financeiramente compensa para as empresas continuarem a atuar de modo a desrespeitar os direitos do consumidor, uma vez que muitos sequer reclamam, e para os outros há diversas oportunidades de resolver o problema criado pela própria empresa:
- SAC;
- Ouvidoria;
- Sites como ReclameAqui e Consumidor.gov;
- Agências reguladoras;
- Procon;
- Juizados especiais.
Criar mais um canal de comunicação entre o consumidor e a empresa não vai trazer benefícios para relação de consumo no país, mas sim dificultar o acesso ao judiciário dos consumidores, judiciário este que tem sido o único que realmente resolve o problema efetivamente.
O acesso ao judiciário é um direito garantido constitucionalmente, e colocar este requisito extra para que um consumidor entre com uma ação judicial de direito do consumidor seria uma afronta não só à Constituição, mas também ao Estado Democrático de Direito, uma vez que as empresas ficariam numa posição ainda mais confortável do que já estão.
Para que essa realidade mude, é necessário atingir o órgão mais vital das empresas, qual seja, seu financeiro.
Leandro Amaral Provenzano é advogado especialista em Direito Agrário, Tributário, Imobiliário e Direito do Consumidor. Membro das Comissões de Direito Agrário e Direito do Consumidor da OAB/MS. E-mail para sugestões de temas: leandro@provenzano.adv.br